A iniciativa de fazer vila em Trás os Montes na idade media
"Mando fazer villa no lugar de ..." é a expressão que tão frequentemente vemos utilizada em cartas expedidas pelas chancelarias de D. Afonso III e D. Dinis assinalando o local e a vontade régia na criação de um novo núcleo urbano.
Se fazer villa tinha, obviamente, um significado demográfico de incremento do povoamento, é numa multiplicidade de outros significados que adquire toda a sua dimensão histórica de modo de reorganização e hierarquização de um território já povoado e portanto, de criador do espaço de exercício do poder da Monarquia emergente.
Os principais e mais dinâmicos novos núcleos urbanos, então criados em Trás-os-Montes e no Vale do Douro, mostram uma intenção e plano que decorre do poder régio, são os centros estruturadores do território, como Bragança, Vila Real, Chaves ou Miranda do Douro.
Noutros exemplos, observamos uma persistente atenção régia na reorganização de um território específico, no interior do qual se sucede mas iniciativas conducentes à criação dos novos centros durante um espaço de tempo relativamente curto. São os casos de Mirandela, Torre de D. Chama e Lamas de Orelhão que emergem na antiga terra de Ledra sob a acção de D.Dinis ou das vilas de Torre de Moncorvo, Vila Flor e Alfândega da Fé que, igualmente sob iniciativa de D. Dinis, reorganizam o anterior termo da Santa Cruz da Vilariça entre1285 e 1295.
Porém, casos há em que a iniciativa parece estar mais do lado das comunidades, as quais procuram no rei apenas um apoio necessário. Estes casos, em que a primeira iniciativa parece pertencer às comunidades, surgem mais frequentes num momento tardio, talvez mostrando comunidades que teimavam em não ficar de fora do processo global de redistribuição do poder sobre o território. Verifica-se também serem muitas vezes votados ao fracasso como sucede com São João da Lomba (actual concelho de Vinhais) ou Vila Boa de Montenegro (actual concelho de Chaves).
A escolha de uma nova implantação e a construção da cerca e do castelo.
Fazer vila obrigava na maior parte dos casos à escolha de uma nova implantação. Escolhem-se então locais que, para além de mostrarem favoráveis condições naturais de defesa, se procura destacados, facilmente identificáveis à distância e possuindo amplo controlo visual do espaço envolvente, características adequadas a um centro de território. Implantações de altura portanto, porém, oferecendo amplas plataformas capazes de albergar áreas de habitação suficientemente dimensionadas a uma população que se pretendia numerosa, rodeadas obrigatoriamente por um muro de cerca.
A expressão fazer vila, era sinónimo de fortificar uma povoação. A responsabilidade da construção das fortificações, obras que implicavam sempre uma larga despesa, só compatível com grandes disponibilidades financeiras, era do Rei. Em alguns casos, porém, em que a iniciativa da fundação da vila surgiu da parte das próprias comunidades, estas obrigaram-se a fazer "huma cerca de muro à ssa custa".
São exemplo desta situação as tentativas já referidas de criação da Vila Boa de Montenegro, em 1301, de São João da Lomba, em 1324, ou de Lamas de Orelhão no reinado de D. Sancho II. Ao facto de serem todas ensaios frustrados de fundação de novas vilas não será alheio o peso financeiro implicado nas obras de fortificação que se obrigavam a custear. A iniciativa régia surge bem documentada, por exemplo, quando D. Dinis decide recomeçar o repovoamento de Vila Real e lhe outorga em 1289 um novo foral. Faz então mencionar que a ele competia fazer "seu muro logo e bóó "para o guardar depois o "conçelho assy come costume do Reyno".
Distingue-se também a construção, mais urgente e necessária, do muro da cerca da vila do castelo ou alcácer que, se o rei o quisesse fazer, deveria aí meter seu alcayde sendo que este nada teria a ver com a administração das justiças mas apenas e exclusivamente com guardar seu castelo. Idênticas disposições surgem no texto do novo foral outorgado pelo mesmo rei, apenas quatro anos depois, quando afirma "eu deuo fazer o muro da vila bóó e cercala toda" acrescentando de seguida que "sse perventura eu ou meus successores fezermos hy Alcacer devemos hy meter Alcayde que o guarde". Porém, ainda em 1304, não estava nem uma nem outra obra sequer começadas, declarando o mesmo rei D. Dinis que lhe ficava de "fazer o muro em essa vila quando o poder fazer querendo deus !"
Contribuidor Zeca Soares
É sempre um prazer e uma lição.
ResponderEliminarMuitas vilas se fizeram, tantas que, aquela curva apertada, na estrada Vinhais-Chaves, onde começa a vislumbrar-se o Vale, se chamava Portela-das-sete-Vilas.
Abraço,
mário
O Zeca continua o seu trabalho de pesquisa e nós vamos desfrutando com ele.
ResponderEliminarEste texto é curioso, a formação das localidades de o nome Vila, associado.
Será que as inúmeras "Vilas" que existem em Portugal, entre as quais, Cimo de Vila da Castanheira", tiveram assim a sua origem?
Sim Mario, algumas fizeram-se e outras não como Santo Estevão de Chaves ou Vila Boa de Montenegro...
ResponderEliminarArmando, acho que segundo o que entendi, Castanheira nunca alcançou o título de vila, embora tenha cerca de 1400, sido Reitoria e tido Alcaide-mor antigo governador da fortaleza de Monforte e mesmo de Chaves.
Antes esses tempos, chamava-se paróquia de São João da Castanheira, e talvez fosse o "cimo "da vila de Monforte jà constituida em 1273 (se referir ao Julgado de Rio Livre 1258 como esvrevi aqui http://lamadeiras.blogspot.fr/2013/09/as-nossas-raizes-zeca-soares.html)
Para acrescentar proporei para este fim de semana, mais um estudo sobre as "Etapas e modelos de organização dos territórios de Trás-os-Montes" feito no III congresso de arqueologia (Figueira de Castelo Rodrigo, 15 de Maio de 2006) que trata das Vilas nos séculos XIII-XIV, mas igualemente, das Civitates da
“Reconquista” (séculos IX-X) e das Terras e os castelos (séculos XI-XII).
Vamos aprofundando o assunto ... Saudação ao MRP
Caro Zeca Soares
ResponderEliminarAlertado amavelmente pelo Armando, o tempo raramente me deixa voltar aos comentários anteriores, só agora li a sua resposta.
Muito obrigado.
Vou acompanhar, com prazer e interesse, o aprofundamento.
Abraço,
mário